terça-feira, 11 de novembro de 2008

Dossiê Sportv ouve especialistas do esporte

O Programa Dossiê Sportv de 07/11/08, apresentado por Marcos Peres, com reportagens de Rodrigo Araújo, do próprio apresentador e de Júlio César, trouxe um assunto de fundamental importância para o futuro do esporte amador no Brasil: a detecção de talentos, os projetos existentes, a política vigente e a falta de estrutura no Brasil para fazer das descobertas grandes campeões.
Transcrevemos abaixo o que disseram sobre estes temas profissionais do mais alto gabarito.


Lamartine Pereira da Costa (Professor da Universidade Gama Filho), organizador do Atlas do esporte no Brasil.
Segundo ele o Brasil tem somente iniciativa de detecção; ou seja, alguns projetos do Ministério dos Esportes, que tentam identificar estas pessoas. Ele não vê conseqüências positivas porque o projeto de talentos de forma isolada é uma coisa e acompanhado de uma política é outra. Segundo ele, o talento é a maior vítima da falta de gestão adequada, o que também acaba atingindo o Governo. E ninguém está livre disso: Segundo Lamartine todos são culpados pela má gestão do esporte no Brasil com as vítimas que são os atletas que desaparecem nesse turbilhão da bagunça que vivemos. Ele disse que quando o garimpo de talentos é substituído por um empreendimento planejado, controlado, com tecnologias adequadas, ciência adequada, deixa de ser garimpo. A preservação da mina é bem mais importante do que a destruição, como o garimpo faz. O mesmo acontece com os atletas.
Quanto a massificação, Lamartine acredita no projeto já pensado de massificar a baixo custo, que leve a detecção de talentos com o objeto de adquirir medalhas. Mas isso de forma secundária e não de forma principal. “É como o pré-sal, ele existe; nós temos que ter uma tecnologia e um sistema de gestão, para tirar o petróleo de lá”, compara.
Quanto ao papel da Escola e da Educação Física, ele diz que a medalha de ouro não é resultado direto da escola, a não ser que haja uma massificação total, o que só existe em pouquíssimos países. Quanto ao papel da Escola, por conta de levantamentos em mais de 50 países, a escola está rejeitando a Educação Física, pois não quer gastar recursos com essa disciplina e nem tem meios, porque há um congestionamento curricular. “Nós temos que inventar alguma coisa além da educação física escolar”, disse, a exemplo do que fez a Austrália há dez anos. Outros dados dão um indicativo da decadência da educação física escolar. Ele afirma que os jovens preferem atividades fora da escola. Agora quando a escola passa para a competição, aí passa a haver uma adesão maior. Para ele a medalha de ouro é produto de concentração de recursos, estratégia, ciência, separação do atleta, identificação do atleta, etc, mas que não pode ser ligada à educação física escolar. No entanto, segundo ele, é preciso que não se culpe somente a educação física escolar, mas também a gestão. E esse esquecimento é um desvio de natureza cultural. “É um mito da realização através do acontecimento em si; é uma espécie de mágica”.
Quanto a encontrar e se fazer talento, Lamartine diz que o talento é encontrado em uma primeira instância e feito em uma segunda, duas etapas, segundo ele, que não podem ser separadas, senão não se tem uma definição correta de talento.

Adroldo Gaya, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutor em Ciências do Esporte, coordenador do grupo que criou o método de avaliação de programa Descoberta do Talento Esportivo, projeto do Ministério do Esporte que começou em 2003.
Ele conta que o projeto do qual coordena consiste em avaliar crianças em idade escolar por todo o Brasil. As que atingem um certo padrão de rendimento são classificadas como talentos. Elas saem do banco de dados da Universidade para o Ministério dos Esportes, ficando à disposição das federações. São 150 mil crianças avaliadas e 15 mil delas estão no Banco de Dados de Talentos do Ministério do Esporte
O projeto, segundo Gaya, detecta crianças que correm e saltam acima da média. Todavia, ele explica que isso não é o suficiente, pois é preciso que haja Centro e Núcleos que possam acompanhar essas crianças sob os aspectos psicológicos, nutricionais, sociais... e isso ainda estamos longe de conseguir.
Adroaldo acha que é preciso que se massifique o esporte se quisermos ter uma geração olímpica, com uma educação física de qualidade e que o esporte seja amplamente divulgado. Quanto ao papel da Escola nessa detecção, Gaya diz que não é papel da Educação Física Escolar detectar talentos desportivos, mas sim a formação da cultura desportiva de todas as crianças, o que não significa não estar de olhos abertos para perceber e detectar aqueles que possuem habilidades.
O modelo brasileiro, segundo Adroaldo, é o dos clubes, diferentemente do de paises como Cuba, Austrália e os do Leste Europeu. Adroaldo explica que os clubes querem vencer as competições em todos os níveis e que, portanto, esse imediatismo acaba não se pensando em um trabalho a longo prazo. No entanto, Adroaldo, diz que há no Brasil Clubes que são exceção, como o Pinheiros (em São Paulo) e o Minas Tênis Clubes, os quais formam atletas Olímpicos.
Adroaldo diz que não há contradição entre a formação e a competição, pois a competição é inerente ao esporte, seja no de lazer, social ou no de auto-rendimento. Para ele, o importante é não olhar para a criança como um campeão olímpico em potencial, pois não se tem essa certeza.

Maria Tereza Silveira Bohme (Professora do Departamento do Esporte da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo).
Na opinião dela, o projeto do Ministério dos Esportes começou pelo lado contrário, pois mesmo com um banco de dados, para onde é que essas crianças serão encaminhadas? Ela explica que as crianças não estão vivendo a infância e a adolescência. Isso por conta da política de que “se não entrar até os 13 anos, não entra mais”. Para ela isso é um suicídio. “Isso não é um processo de promoção de talentos, mas sim de extermínio de talentos desportivos. Não é só organizar calendários competitivos, mas sim pensar em como promover e como desenvolver essas diferentes modalidades, desde a base, através de capacitação profissional de seus técnicos; ter programas, diretrizes de treinamento a longo prazo, para cada modalidade, em função das idades de auto-rendimento à frente”.
Sobre a massificação, Maria Tereza está de acordo que da quantidade se aparece a qualidade. Mas as duas estratégias precisam trabalhar em conjunto. É preciso que no meio social da criança, haja um elemento para que essa criança possa se desenvolver e despontar.
Um dado interessante que ela analise é o fato de o treinador em início de carreira começar seu trabalho nas categorias de base e, ali, ao apresentar bons resultados, ter a chance de subir na carreira como treinador nas categorias de cima. Isso acontece no Brasil e em outros países, pela desvalorização profissional e financeira daqueles que trabalham nas categorias de base. Esse profissional acaba não tendo interesse em desenvolver-se profissionalmente, eternamente naquele status de carreira. Tudo isso deve ser repensado, segundo ela.

Rodolfo Novellino Benda (Diretor da Escola da Educação física da UFMG), especialista em iniciação esportiva.
Sobre a dificuldade na detecção de talentos, o problema não é detectar se a criança tem ou não talento, mas sim o trabalho que será feito com ela, para que desde sua iniciação ao momento profissional, saber dali qual o tipo de trabalho que será feito.
Ele teme as conseqüências que certos projetos podem gerar nas expectativas de crianças que não vão ter para onde ir em um segundo momento. Ele diz que a preparação de um atleta se confunde com a de um cidadão, de um ser humano, o qual, diz ele, leva cerca de 20 anos para se tornar adulto. Da mesma forma é o atleta.
Ele acrescenta ser um erro olhar para uma criança e dizer que ele é um talento e que vai se tornar atleta, aplicando para ele métodos de treinamento que se aplica a um adulto, reproduzindo na criança e no adolescente o que é feito no auto-rendimento. O resultado, segundo ele, é a perda desse talento descoberto.
Quando o assunto é massificação para a detecção de talentos, ele ressalta que antes disso é preciso que se tenha uma filosofia, um planejamento e políticas bem estabelecidas, para que não se aumente o número de praticante sem um objetivo claramente definido. Para ele, em um pais de quase 200 milhões de habitantes, deve ter muita gente boa. No entanto, defende a tese de que é preciso formar bons professores, profissionais, treinadores, porque o trabalho é feito por eles. “Não adianta ter um ginásio espetacular se eu não tiver um bom professor, lá, treinando”, diz.
Quanto a massificação pela escola, ele acha que a escola não é o lugar para se formar somente talentos. Ela precisa formar também os “não-talentos”.
Rodolfo diz que o Brasil pode ser uma potência em várias modalidades. No entanto, é necessário que se tenha pessoas que ensinem essas modalidade e que vão desenvolver e fomenta-las nas diferentes cidades.

Fábio Cânfora (Gerente Executivo de Educação do Minas Tênis Clube, primeiro clube a se beneficiar da Lei de Incentivo ao Esporte e os recursos serão investidos na formação de atletas.
Fábio entende a formação esportiva como um desenvolvimento de habilidade e de acervos motores básicos, ricos e que vão proporcionar aos que passam pela experiência desse processo de preparação um futuro esportivo de atividade física opcional. Fábio explica que é muito comum se queimar talentos por se querer resultados antes da época. Essa é a grande tentação pela qual os clubes passam. Ele diz que essa detecção é semelhante a um garimpo, onde se procura um diamante. Mas como o garimpo é desorganizado, perde-se muito nos entulhos.
O caminho para o Brasil no futuro dos quadros de medalhas nas Olimpíadas passa necessariamente pelas escolas, pela iniciação esportiva, estrutura esportiva até as universidades. “A detecção é um passo. A partir daí, é um trabalho de longo prazo; uma estrada a ser percorrida e nessa estrada pode haver curvas e buracos perigosos, que se não forem contornados, perde-se esses talentos. E esses buracos e curvas, normalmente são maus profissionais e a ansiedade de se obter resultados antes das épocas sensíveis que esse talento vai apresentar”.


Antônio Lameira (Técnico cubano de Ginástica Artística do Minas Tênis Clube), que está no Brasil desde 1996.
Ele explica que não via competições infantis, mas sim crianças de 8 e 9 anos fazendo exercícios com um grau de dificuldade que não era para aquela idade e se desenvolvendo muito precocemente. O técnico cubano discorda de uma massificação a qualquer preço. Ele acha que de nada vai adiantar a massificação “Pra que massificar tanto se não se pode trabalhar depois, vou tirar o quê dali?”, analisa.
Quando o assunto é Escola, Lameira dá o exemplo de como é em seu país. Ele diz que Cuba se caracteriza por uma formação bem feita. Começa a detecção nas escolas estaduais, daí, o futuro atleta passa aos centros municipais e, através de competições municipais, passam a fazer parte de outra estrutura desportiva e em seguida do campeonato nacional, para somente depois integrar uma seleção e fazer parte do centro nacional de treinamento, que fica em Havana.
Em Cuba, ele conta, a iniciação esportiva é bem básica. São mini desportos. A preocupação do técnico, quanto aos projetos no Brasil, é que no país não há uma seqüência como há em Cuba. “Eu acho muito pobre a inclusão do esporte na escola”, sentencia, exemplificando o que se vê normalmente nas escolas públicas, quando o professor limita a atividade física ao futebol. “Então não desenvolve corrida; não tem um equilíbrio, um trabalho de lateralidade, então tem como você fazer uma detecção de talento? Nunca. Não se sabe o que fazer com esta criança, pois ela só joga futebol, não sabe correr, não sabe fazer uma posição...”.
Lameira diz que talento não se acha, talento se faz.
Ele entende que somente o talento não basta e que não adianta encontrar alguém que tenha todo o biótipo para determinado esporte se esse jovem não quer treinar. Pra ele, talento é você pegar alguém sem condições físicas e técnicas, mas com perseverança, e realizar um trabalho que ele absorva.

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